21/05/10

estou em querer



estou em crer que a face é um núcleo convergente e aglutinador de pequenas janelas entrosadas que comunicam incessantemente entre si e com o mundo em redor. a testa, as sobrancelhas, os olhos, o nariz, as maçãs do rosto, a boca e, salvo erro,  o queixo compõem este núcleo facial.


eu ah! muito que me convenci que a expressão afectiva do ser humano não se manifesta exclusivamente através da face, mas o senhor ekman (1965), ao constatar que "somente a face era capaz de qualificar uma emoção como agradável ou não; o resto do corpo limitava-se a dar uma informação sobre a intensidade do afecto"(cit. in senhor corraze, 1982, p. 75), tem-me levado a pensar muito nisto. com a finco.

a título ilustratório, fixeno-mos em um conjunto de imagens:

que significa o enrugamento da testa e o franzir dos olhos, a ligeira elevação da parte periférica das sobrancelhas, a boca semi-aberta e os lábios descaídos?


por que razão esta senhora dirige o olhar na direcção do infinito? o que é que captou a sua atenção ou que serve de repouso para albergar a fluidez dos seus pensamentos?


esta menina parece estar concentrada na realização de uma tarefa. mas, como entender o leve arquear das suas sobrancelhas?


como interpretar o sorriso simples desta menina? Por que razão os seus lábios se arredondam para trás, com uma ligeira inclinação para cima e se mantêm abertos, revelando os dentes? As maçãs do rosto salientes que realçam o olhar fechado e pouco frontal serão expressão de um estar sereno, satisfeito e algo introspectivo?



os olhos estão moderadamente abertos. as sobrancelhas elevadas e arqueadas. a testa subida recusa a franzição (franzer-se, não é preciso ir ao google). a boca entreaberta. será tudo isto sinal de entusiasmo, convicção, sedução, ou interrogação?



a face apresenta alguma tensão. ou será impassividade? a abertura dos lábios não é estreita e, aparentemente, pouco enérgica. o olhar está ligeiramente inclinado em sentido descendente, lançado por baixo de uns óculos que não estão lá mas facilmente os imaginamos. que pode tudo isto significar? uma atitude de avaliação, indagação, explicação?


centreno-mos agora na boca. uma das expressões, associadas à boca e aos lábios, que mais reclama a nossa atenção é o sorriso, com todas as suas tonalidades e intensidades. o sorriso não é apenas sinal de humor ou satisfação, é também expressão de boa vontade, sinal de defesa ou mesmo de desculpa. (esperança, 1998, p. 67)



no sorriso simples os lábios arredondam-se para trás, um pouco para cima, mas mantém-se unidos, não deixando aparecer totalmente os dentes. aparentemente, é o sorriso daqueles que não sorriem para si mesmos, ou surge quando uma pessoa está sozinha e se sente satisfeita.



o sorriso aberto é muitas vezes provocado por divertimentos e brincadeiras e, acompanha-se, muitas vezes, de gargalhada, a boca abre-se e os lábios recuam de maneira a verem-se os dentes de baixo e de cima.
 
 
 
a verdade é que os lábios são como portas… ora se abrem de par em par em sorrisos amplos e sonoros, ora se entreabrem tímidamente, de forma comedida e misteriosa, ora se fecham tenazmente como que resistindo a todo o movimento que alivie ou altere a união natural dos lábios cuja pressão pode variar do mais tenso ao mais relaxado.
 
 
 
e, caros, vou terminar com os olhos. aristóteles uma vez chamou-os  de não sei quê dos não sei o quê (in retórica, ano menos quarenta).




"os olhos falam tanto como a língua, com a vantagem de que a linguagem dos olhos não precisa de dicionário para ser compreendida em todas as partes do mundo" (emerson, cit. in nierenberg & calero, 2001, p. 28).



os olhos são reflexo da alma. são fogo e chuva que brota da fonte da essência, são cristais sedutores, sombras de anseios e medos, oceanos profundos como o olho do cú de uma velha em montemor, são mágoas, são questões, são revoltas. olha, são muito mais do que aquilo que vêem e dizêem, transcendem-se em si mesmos, per si (dicionário de latino, 2010) em plenitude e poder. são galáxias, longe como o caralho, num universo sem fim. aquela história do, termino já a seguir, bocage dos lábios mentem e os olhos não e mais tudo isso.

vai longa a noite e deixo-vos um poema do antónio gedeão, um dos meus favoritos, por sinal, do antónio gedeão, que peço que leiam, desde já, com a mesma atenção com que leram, desde ah! bocado, todo este post feito para vocês:

Os meus olhos são uns olhos


E é com esses olhos uns

Quer eu vejo no mundo escolhos

Onde outros, com outros olhos,

Não vêem escolhos nenhuns.



Quem diz escolhos diz flores.

De tudo o mesmo se diz.

Onde uns vêem luto e dores

Uns outros descobrem cores

Do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas

Onde passa tanta gente

Uns vêem pedras pisadas,

Mas outros gnomos e fadas

Num halo resplandecente.



Inútil seguir vizinhos,

Querer ser depois ou ser antes.

Cada um é seus caminhos.

Onde Sancho vê moinhos

D. Quixote vê gigantes.



Vê moinhos? São moinhos.

Vê gigantes. São Gigantes.



depois desta viagem inesquecível ao mundo de gedeão, aqui está uma fada com uns escolhos gigantes a tapar-lhe a vista, que era precisamente o que o gedeão, ele próprio, quis explicar no poema que tanto nos apraziu: