03/10/09
2666, o borges e a minha mulher
ninguém verta lágrimas ou censure esta demonstração de sabedoria de deus, que com grande ironia me deu ao mesmo tempo os livros e a noite - escreveu borges quando foi nomeado director da biblioteca de buenos aires. eu, embora ninguém ainda se lembrasse de me nomear director de alguma coisa, também gosto de juntar os livros e a noite, um sintoma de proeminente maturidade intelectual e, sobretudo, de proeminentes problemas endócrinos que raramente me permitem juntar outra coisa qualquer à noite, seja ela aguardente, coca ou cola. assim como assim (a anáfora, por excelência), fui ali à bertrand do colombo trocar os olhos da cara pelo livro de que toda a gente fala com cinco estrelas na boca, as mil e tal páginas de um legado, a primeira obra-prima do século vinte e um, o livro que o borges não escreveu, a vida humana dentro daquelas páginas ardentes, o número dois do top de vendas, logo a seguir ao dan brown, que também tem um livro que o borges não escreveu, mas não tem festas promocionais à maneira e só está no número um porque é mais barato e, sobretudo, menos exigente em todos os aspectos, da quantidade à qualidade, presumo eu que não o li, nem sequer vi o filme (ou os fimes, não faço ideia). depois de um breve bife à portugália (este breve no sentido de pouco e mau) que me acompanhou nas primeiras duas páginas, trouxe então aquele obscuro objecto de desejo para casa, cheio de tesão intelectual, vontade de estar na moda e, last but not least, esperança que a minha amada esposa não o descobrisse e mo cravasse antes de eu o ler, embrulhar, e oferecê-lo no natal, depois de escrever aqui um post todo inteligente sobre ele. mas onde é que se esconde um canhanho daquele tamanho (a assonância, por excelência), como é que se lê às escondidas durante um mês numa cama de casal que embora grande não é suficientemente grande, ninguém verta lágrimas ou censure, mas não consegui e a minha querida mulher deitou-lhe as unhas, cravou-o com a habilidade emocionalmente chantagiosa das queridas mulheres que cravam e é ver mais uma demonstração inequívoca da sabedoria de deus que me vai fazer esperar até meados de dois mil e dez para começar e espero que, no máximo, em janeiro de dois mil e onze acabar de ler o dois mil seiscentos e sessenta e seis. nessa altura já todos os blogues terão escrito o que haverá para escrever sobre o bolaño, que já estará morto há muito mais tempo, e eu vou espetar aqui mais uma gaja toda nua boa boa boa, que este blogue chega sempre atrasado a tudo menos às gajas todas nuas boas boas boas.