30/03/10

bookjacking

roubaram o meu computador que tinha as obras originais e perdi praticamente tudo o que tinha escrito

quando abri a porta de casa, no segunda-feira à noite, depois de ter passado o fim-de-semana fora,  percebi logo que algo de anormal se tinha passado: havia luzes acesas, gavetas abertas, a casa desarrumada. vi logo que alguém tinha estado ali. ou que ainda estava. apreensivo, percorri as divisões até me certificar que o ladrão (ou ladrões) tinha de facto passado por ali e levado duas coisas apenas: a carteira com todos os meus documentos e o computador portátil que, entre outras coisas, continha as duas obras em que me encontrava a trabalhar e trinta gigas de porno.



chamei imediatamente a polícia e espero que todas as diligências estejam a ser feitas para encontrar o responsável. mesmo não querendo acreditar tratar-se de um assalto cometido por alguém que me odeia ou que quer ameaçar a minha escrita, não posso deixar de reparar que estou perante um "ladrão intelectual" e "muito arrumado", pois apesar de ter andado por toda a casa não partiu nem estragou nada e levou unicamente o computador, desprezando, por exemplo, o livro de cheques ou o tinteiro em prata ou a droga que também estavam em cima da minha secretária.



quanto ao portátil, levaram o meu coração e o meu cérebro. hoje em dia o computador funciona como um arquivo pessoal, tinha lá tudo. fotografias, moradas, documentos relativos a negociações de edições, documentos de pesquisa e consultas. e os dois manuscritos que andava a escrever e dos quais não tinha cópia de segurança desde que o meu cão comeu as disquetes.



estava a escrever um romance de anões passado na américa e uma peça de teatro, uma experiência que me tinha apetecido fazer. já tinha parado de escrever há três meses mas agora ia voltar. eu funciono muito assim. paro por uns tempos e depois volto quando sei exactamente o que vou escrever. e agora ia voltar. a minha intenção era terminar as duas obras até amanhã.


e agora? irei abandonar estas obras ou vou tentar recuperar aquilo que já tinha escrito? não sei ainda responder a esta questão, embora reconheça que no que toca à peça de teatro será muito difícil rescrever o que já tinha escrito, uma vez que se trata de diálogos e o meu teclado emperra no travessão.



a propósito desta situação recordo o caso verídico de t. e. lawrence (conhecido como "lawrence da arábia") que, em 1919, numa mudança de comboios na estação de reading, em inglaterra, perdeu a sua mala e com ela grande parte do manuscrito que iria, mais tarde, dar origem à obra autobiográfica os sete pilares da sabedoria. lawrence teve de escrever praticamente tudo de novo, de memória uma vez que já tinha deitado fora as notas originais, e isso não impediu que este livro, onde relata a sua experiência com as forças rebeldes árabes (1916-1918), se tornasse uma obra de referência e desse origem ao famoso filme de 1962, lawrence da arábia, realizado por david lean.

leiam com atenção este caso aqui, por exemplo. mostra que estas coisas andam a acontecer muito no nosso país, onde o bookjacking já é considerado um flagelo.

quem sabe se este revés não irá também dar origem a uma obra literária inesquecível. pois é. por enquanto, a hora é de pedir muitas desculpas a todos.
e aos que me quiseram enviar as fotografias para reservar o livro, assegurar-lhes que guardei as fotos muito zelosamente e que ficam já para o próximo. aproveito também para proceder à devolução de duas que não cumpriram com os requisitos acordados.

o estimado leitor josé pedro aguiar branco, que me enviou um retrato da sua criada (tinha de ser uma prima, zé)


e um leitor que me acompanha desde os primeiros momentos, zanai brava, esse aficionado incondicional da minha escrita. o zanam enviou-me primas, sim, mas muito vestidas (era no máximo sutiã, zanar).



de resto, até amanhã, que ainda estou aqui na polícia.